sexta-feira, 23 de setembro de 2016

PASSARINHANDO NA CIDADE DE CHICO MENDES (XAPURI, ACRE)

Texto e fotos: Professor Edson Guilherme – Universidade Federal do Acre

Xapuri é uma pequena cidade com pouco mais de 17.000 habitantes. Está localizada na margem direita do rio Acre, próximo da foz do rio Xapuri. É chamada pelos moradores locais de “Princesinha do Acre”. A cidade ficou conhecida mundialmente, em 1988, por ter sido palco do assassinato do líder seringueiro e ambientalista Chico Mendes. De passagem pela cidade, quando ministrava uma disciplina no Campus local da Universidade Federal do Acre (UFAC), aproveitei as horas vagas para caminhar pela cidade e seus arredores com o intuito de observar as aves da região.

Rio Acre, visa a partir da cidade
A cidade é pequena, não possui uma boa infraestrutura urbana. A falta de calçadas nos impede de caminhar pelas ruas com certa tranquilidade. Em contrapartida, os quintais são bem arborizados e em frente às casas observam-se jardins quase sempre floridos. Esta condição faz desta cidade um ambiente propício para algumas aves adaptadas a ambientes urbanos.

sanhaçu-da-amazônia
O alojamento destinado aos professores fica no próprio Campus, localizado na Rua Cel. Brandão. No pequeno quintal do Campus quase todos os dias era possível ouvir o canto ininterrupto da gralha-violácea (Cyanocorax violaceus). Também apareceu por ali o araçari-castanho (Pteroglossus castanotis) e o ferreirinho-de-sobrancelha (Todirostrum chrysocrotaphum). Em um dos caibros que sustenta o teto do alojamento, ouvia-se o pio de dois filhotes do sanhaçu-da-amazônia (Tangara episcopus).

A cinquenta metros do Campus fica a “praça dos taxistas”. É uma praça antiga e com árvores centenárias. Ali, em uma figueira (Ficus trigona) abarrotada de frutos, havia um vai e vem frenético de aves a qualquer hora do dia.  Sentado por meia hora em um banco quase embaixo da figueira, observei um bando com cerca de 10 indivíduos de periquito-testinha (Brotogeris sanctithomae), dois indivíduos do cardeal-da-amazônia (Paroaria gularis); um indivíduo do sabiá-gongá-da-amazônia (Saltator azarae); um bando de pipira-vermelha (Ramphocelus carbo); dois indivíduos do sanhaçu-da-amazônia e muitos, muitos caraxués-de-bico-preto (Turdus ignobilis) se alimentando. Um dos caraxués estava construindo seu ninho (02/02/2016 às 16H33 min). A ave trouxe uma mistura de barro com raízes e fibras vegetais e com o bico arrumava as paredes do ninho em forma de tigela. Em determinado momento a ave abria as asas e pressionava o próprio peito sobre aquela espécie de “argamassa”. Acredito que esta ação sirva para dar o contorno e a profundidade correta da câmara de incubação. Além deste ninho em construção, observei nesta figueira dois outros ninhos de caraxués, sendo um ativo com a ave chocando e outro inativo (abandonado).

caraxué-de-bico-preto
Aliás, em se falando de caraxués-de-bico-preto não há dúvida de que Xapuri é a terra deles.  O caraxué-de-bico-preto é o sabiá mais comum nas áreas urbanas do estado do Acre. Porém, em Xapuri, a sua população superou minhas expectativas. Em qualquer lugar da cidade que se ande, os caraxués estão presentes. Nas árvores, nos muros, nas calçadas, nos bancos das praças, enfim para onde se olhe! Desde o primeiro raio de sol até o anoitecer é a ave que mais se escuta na cidade. O pardal (Passer domesticus) já chegou na cidade, mas ainda é um novato e passa despercebido diante dos caraxués.

Do lado esquerdo da praça dos taxistas há uma ponte sobre um pequeno igarapé afluente do rio Acre. Esta ponte está em uma rua que dá acesso a um bairro a margem direita do rio Acre e ao Departamento de Água e Esgoto (DEAS) localizado fora do perímetro urbano. A partir do DEAS há uma estrada de terra conhecida localmente como Ramal do Beleza. Em uma manhã de caminhada por este ramal (há 5 min de carro do centro) registrei cerca de 80 espécies de aves. O ramal margeia o rio Acre, corta pastagens, áreas alagadas (igapós) e floresta secundária (capoeira). Entre as espécies que observei lá, destaco a cigana (Opisthocomus hoazin) em arbustos dentro do igapó; o joão-teneném-becuá (Synallaxis gujanensis) vocalizando muito no emaranhado de capoeira na margem da estrada; o sanhaçu-de-coleira (Schistochlamys melanopis) em árvores isoladas na pastagem; duas agulhas-de-garganta-branca (Brachygalba albogularis) pousadas em um árvore na margem do ramal mexendo a cabeça sincronicamente de um lado para o outro buscando alimento (insetos) no ar.

No fim da tarde do dia 21/01/2016, fui até o Ramal Pinheiro Barreto. Este ramal fica na margem esquerda da estrada da borracha (estrada que dá acesso a Xapuri a partir da BR-317) a 5 km da entrada da cidade. O local tem fazendas dos dois lados da estrada. A vegetação do local é composta basicamente por pastagens, açudes e pequenos capões de mata, principalmente ao longo dos cursos d’água. Fiquei no local por cerca de duas horas e fui expulso por uma chuva torrencial. Ainda assim, tive a oportunidade de observar um bando de bigodinhos (Sporophila lineola) migratórios forrageando na braquiária; observei também um bando de saí-andorinha (Tersina viridis) com jovens e adultos e dois jovens aracuãs-pintado (Ortalis guttata). Pousado em uma árvore morta no meio de um açude havia um biguatinga (Anhinga anhinga) que se deixou fotografar.

Balsa atravessando o rio Acre para o bairro Sibéria
anambé-branco-de-rabo-preto
O único bairro de Xapuri que fica na margem esquerda do rio Acre se chama Sibéria. Há uma balsa do governo do estado que atravessa as pessoas e os veículos para o outro lado. É a partir do bairro Sibéria que se tem acesso à Reserva Extrativista Chico Mendes. Estive nesse bairro por algumas horas na tarde do dia 18/01/2016. A partir do Sibéria começa uma longa estrada de terra com muitas vicinais. Esta estrada é bem movimentada, com um vai e vem constante de motos e caminhonetes. Nas margens o que se vê é pasto, mas ao longe, no horizonte, dá para notar a floresta exuberante da região. Não cheguei até a entrada da RESEX, porém, em uma breve parada, observei na pastagem a minha frente um indivíduo de maracanã-guaçu (Ara severus) na entrada de um oco, em um tronco de uma majestosa castanheira. Em um oco de uma árvore seca ao lado, chegava uma fêmea de anambé-branco-de-rabo-preto (Tityra cayana) com um gafanhoto no bico para alimentar o filhote. Mais adiante, um bando de periquito-de-cabeça-suja (Aratinga weddellii) fazia sua algazarra costumeira de fim de tarde.

Apesar de minhas observações terem registrado apenas aves relativamente comuns e associadas a ambientes antrópicos, a região de Xapuri tem grande potencial para a observação de aves. Um levantamento avifaunístico feito dentro da RESEX Chico Mendes, registrou a presença de 344 espécies de aves, algumas endêmicas e outras raras como o flautim-rufo (Cnipodectes superrufus); o tucaninho-de-nariz-amarelo (Aulacorhynchus atrogularis); a maracanã-de-cabeça-azul (Primolius couloni); o limpa-folha-de-bico-virado (Syndactyla ucayalae) e o arapaçu-de-tschudi (Xiphorhynchus chunchotambo) ainda sem foto ou som no site Wikiaves (www.wikiaves.com.br).


maracanã-guaçu

periquito-testinha
paisagem da zona rural de Xapuri

Paróquia de São Sebastião - Xapuri


saí-azul (fêmea)





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