sábado, 24 de outubro de 2015

Passarinhando na Chapada do Araripe, por Fernanda Fernandex

Em Setembro de 2015 fiz uma passarinhada na Chapada do Araripe.

ao fundo, a Chapada do Araripe
A Chapada fica no sudoeste do Ceará, alcançando, também, o Piauí e Pernambuco. Tem ponto que ultrapassa os 800m de altitude. A vegetação tem até mancha de mata atlântica, predominando o cerrado e caatinga. No início de setembro estava bastante seco, com muitos ventos e calor que não chegava a incomodar - quando sob sombra...

Eu e o guia Jefferson Bob
O guia ornitológico local, Jefferson Bob, disponibiliza da simples guiada até o pacote completo, que foi o que escolhi - traslados, guiadas, hospedagem em pousada, refeiçoes na casa da mãe dele, carro alugado por ele. Nossa única despesa foi com água mineral.

Fui para o Ceará para um encontro de amigos motociclistas, numa praia quase na divisa com o RN. Como já estaria por lá, emendei com a passarinhada no Araripe e, em cima da hora, encaixei um dia em Guaramiranga, na serra de Baturité, tendo por guia o excelente Caio Brito.

Como foi
porteira
Saí de Brasília no dia 3/setembro, viajei de avião. Chegando a Fortaleza, aluguei um carro e já fui direto para Icapuí - onde fica a praia em que fiquei. Lá, dois lifers - sabiá-da-praia e balança-rabo-de-chapéu-preto. Apesar de ter notícias de que algumas aves migratórias já estariam chegando à região, preferi ficar o tempo todo com meus amigos.

Saí de Icapuí no dia 7/set, rumo a Guaramiranga. É uma pequena cidade no topo da serra de Baturité, com muito mato e clima bastante agradável, muito apreciada pelos cearenses. Cheguei lá às 15 horas, logo encontrei o Caio Brito e fomos passarinhar no Parque das Trilhas. Depois pegamos o carro e fomos em busca da tiriba-de-peito-cinza, fotografada já no final da tarde. Fizemos uma corujada, sem sucesso, em busca da murucututu.

No dia seguinte, nova passarinhada pelo Parque das Trilhas, até as 10 horas. Avistamos um lek do belo guaramiranga - o nome que os locais dão ao uirapuru-laranja - e, desta vez, fiz fotos decentes dele... Depois fomos em busca da tovaca-campainha, que nos tomou muito tempo, até ela resolver cruzar a estrada e aparecer para uma série de fotos...

No caminho para Fortaleza, paramos para almoçar num pequeno restaurante de estrada e ainda fotografamos alguns bichos.


Chegamos em Fortaleza às 16 horas, e o Caio me convidou para ficar hospedada na casa da mãe dele. Mais tarde fomos ao aeroporto para devolver o carro à locadora e esperar a minha prima Selma Fernandes, que vinha do Recife. Ela é observadora e ilustradora de aves há muitos anos, e seria minha companheira no Araripe.

farinheiro ou piu-piu (Myrmorchilus strigilatus)
Ilustração com lápis grafite, baseada em fotografias de Jefferson Bob
No dia seguinte, 9/set, o Caio nos levou ao aeroporto e pegamos um voo até Juazeiro do Norte, onde o Jefferson Bob nos esperava. De lá partimos para o município de Barbalha (são três cidades juntinhas - Juazeiro do Norte, Barbalha e Crato) - Arajara Park - onde é mais fácil ver o famoso soldadinho-do-araripe
um estudo do
soldadinho-do-araripe elaborado
pela Selma

Almoçamos no Crato, onde visitamos o Projeto Soldadinho do Araripe (http://www.aquasis.org/subprograma.php?id_oquefazemos=1) e tivemos o privilégio de conversar durante um bom par de horas com Weber Girão e sua esposa, Karina Linhares.

Apresentação de Weber Girão no TED - https://youtu.be/5-btWal1rL8

rumo a Assaré
Como a conversa estava muito boa, acabamos nos atrasando para tomar o rumo de Potengi, a 80 km. Essa cidade é onde o Jefferson Bob mora e onde nos hospedamos. A viagem seguiu tranquila, por uma excelente estrada - aliás, as estradas estaduais cearenses estão excelentes, asfalto lisinho, sinalização farta, um primor - e logo estávamos na pousada Santa Luzia, em Potengi. Boa pousada - cama box, ac split, tv de led, geladeira. A ressalva é que até tem chuveiro elétrico, mas estava desligado, por causa da pequena quantidade de água. Como a região enfrenta seca braba, falta água todos os dias.


Por do Sol a caminho de Potengi
A rotina diária começava com o Jefferson nos buscando na pousada às seis horas para tomar café na casa da mãe dele. Logo depois, saíamos para passarinhar. Os deslocamentos são curtos e já avistamos aves pelo caminho. A paisagem é belíssima, apesar de estar tudo muito seco; a luz do sol adquire um belo tom amarelo/dourado.


A primeira passarinhada foi no Sítio Pau Preto, da família do guia, e
no açude do Sítio Pau Preto
logo vimos a estrela principal da região: o farinheiro - oficialmente conhecido como piu-piu. O bicho vem facinho, sem playback. Fica cantando "tem-farinha-aí?" o tempo todo, com algumas intervenções de alerta por parte da fêmea.  No Sítio há muuuuitas aves, a maioria vindo perto.

Voltamos para almoçar em Potengi, A rotina era essa - almoçávamos ao meio dia, descansávamos, depois das 14 horas saíamos novamente. Jantávamos por volta das 18:30 - eu e minha prima escolhemos só lanchar - e o Jefferson nos levava de volta para a Pousada.

em busca do torom-do-nordeste,
no Parque Municipal Distrito Brejinho,
em Araripe-CE
Foram dias bem tranquilos, sem pressa, sem muito playback, os lifers aparecendo tranquilamente. Quem demorou mais foi o torom-do-nordeste, sempre entranhadinho, no chão. Para fotografá-lo tivemos quase que rastejar pelo carrascal, o bicho tranquilamente à nossa frente... Quando conseguia uma brechinha mais limpa, ele mudava de posição, um passinho, e ficava de novo atrás de galhinhos... Até que parou sobre uma pedrinha e se aquietou, possibilitando uma foto legal.


esperando o joão-chique-chique
Outro que deu um trabalhinho foi o joão-chique-chique. Esse prefere ficar a meia-altura, não vem "no limpo".  Na primeira vez em que os localizamos não me foi possível fazer fotos, eles se mantiveram bem escondidos. Na segunda, sob sol das 14 horas, até consegui uma foto razoável, mas estava muito quente e preferimos deixar os bichos em paz. Na terceira oportunidade eles estavam entranhadinhos, à sombra, estavam curiosos, pertinho, foi melhor.


Considerações sobre a passarinhada no Araripe:
- o guia, Jefferson Bob, é excelente. Tranquilo, exímio conhecedor da região e das aves, perfeito senso de posicionamento, cumpriu tudo que prometeu, dirige muito bem, pontual, atento. Tem olhos capazes de discernir, dirigindo, um saci à sombra entranhado no mato fechado. Ouviu  tiês-caburé a uns bons 400m de distância - medi essa distância pelos pontos marcados pelo gps da câmera.  
refeições deliciosas na casa da Ivete,
mãe do Jefferson
- refeições - todas servidas na casa da mãe do Jefferson, a Ivete. Adorei a solução. Passamos muito bem, as nossas restrições alimentares foram sempre observadas e, pela primeira vez em viagens pelo Brasil, não tive incômodos gástricos.
- a pousada Santa Luzia - construção recente, quarto de bom tamanho para uma pessoa, no meu havia uma cama box de casal e uma de solteiro, com tv de led (captam sinal de satélite, de canal comercial só o da Globo), geladeira grande, ar condicionado split. O chuveiro, elétrico, estava desligado da energia, por causa da pouca quantidade de água.
- as passarinhadas - adorei, sem restrições. Luz excelente, bichos fáceis, deslocamentos curtos.
- a região - andamos pela área rural dos municípios/povoados de Barbalha, Crato, Potengi, Araripe, Assaré, Santana do Cariri, Nova Olinda, Aratama.
- as pessoas - muito hospitaleiras, gentis, interessadas em ajudar, o normal do nordestino.
- curiosidades - surpreendi-me com a limpeza e arrumação das cidades interioranas do Ceará, as estradas impecáveis, wi-fi pra todo canto - até nos sítios. A operadora Vivo não mostra sinal de 3G em Potengi e proximidades.  O valor das garrafas de água mineral nos mercadinhos de Potengi me surpreendeu: a de meio litro custava R$ 1 e a de 1,5 litro custava R$ 1,50. Fomos à feira em um dia, o valor das frutas/verduras é semelhante aos de Brasília. Acho que vem tudo de longe, a seca não permite uma produção regional.


Sede da Fundação Casa Grande, em Nova Olinda-CE
Entre uma passarinhada e outra, visitamos, em Nova Olinda o Museu do Couro, que mostra obras de Espedito Seleiro, e a Fundação Casa Grande (http://www.fundacaocasagrande.org.br/principal.php); em Potengi, conhecemos o Sr. Françuli, um gênio (http://www.potenginainternet.com/2015/08/franculi-o-inventor-do-sertao-em.html); em Santana do Cariri, cidade famosa pelos fósseis, estivemos duas vezes mas não pudemos visitar o Museu de Paleontologia, fechado nas horas em que passamos lá. Ainda nesse município, fomos ao mirante, a 800m de altitude, com uma ampla vista da região.

Eu, Jefferson Bob e Selma
Ao final, foram vistas/ouvidas 155 aves, com cerca de 30 lifers.

Por fim, deixo esse interessante vídeo com uma reportagem sobre o periquito-da-cara-suja.

Texto: Fernanda Fernandex
Fotos: Fernanda Fernandex, Selma Fernandes e Jefferson Bob.





Carnaubinha, em Potengi-CE
Carnaubinha, em Potengi-CE


venda de água
procurando no emaranhado
passarinhando
abandono
paredão da chapada

Anotações\Listas (Por Selma Fernandes)


Fotos de Selma
alto da chapada



trilha na caatinga


Igreja em Santana do Cariri

Tapiocas
tapioca com amendoim e gergelim
torrados e moídos


tapiocas feitas pela Ivete


2 comentários:

  1. Fernanda, que demais seu relato, já aguçou minha vontade de ir o mais rápido possível. Parabéns.

    ResponderExcluir
  2. Ótimo relato, Fernanda. Estive lá semana passada, pela segunda vez. O Cariri continua lindo!

    ResponderExcluir

Postagens populares